terça-feira, 5 de janeiro de 2010

"Competências Funcionais em Programas para alunos com deficiências severas"

As expectativas em relação à aprendizagem e à capacidade de realização de tarefas, por parte de alunos com deficiências severas, apontam para um nível que se situa abaixo do que é atingido por, aproximadamente, 99% da população dos alunos da mesma idade. Se as competências que estes alunos conseguem adquirir são em número tão limitado, é aconselhável que um número considerável de entre elas tenha um carácter funcional.
O principal objectivo deste artigo consiste em delinear o conceito de "funcionalidade" e, em seguida, aplicar este conceito aos programas educativos destinados a estes alunos. com deficiências severas. Mais concretamente, as finalidades são:
  • Delinear um conjunto de competências que possam ser seleccionadas para o programa de ensino.
  • Determinar se cada uma delas obedece à definição de funcionalidade que foi estabelecida.
  • Determinar se cada uma é ou não apropriada.
  • Determinar se uma competência deve ser seleccionada com o fim de ser ensinada, em determinada ocasião, e qual a razão desta selecção.
Uma tarefa funcional, tal como aqui é referida, consiste numa acção que, se não for realizada pelo aluno com deficiências severas, terá de ser realizada por qualquer outra pessoa. Teresa tem 17 anos e foi incumbida de dar de comer ao seu cão todas as manhãs. Uma vez que o cão tem de ser alimentado por outra pessoa qualquer, se não o for pela Teresa, esta tarefa e as competências necessárias para a realizar, de acordo com a definição apresentada, são consideradas funcionais.
Definimos aqui uma tarefa não funcional, ou diferente de funcional, como uma acção que não será realizada por mais ninguém, se não o for pelo aluno com deficiências severas. O professor pede a Teresa para por 12 peças de encaixe num tabuleiro com 12 buracos. Para sabermos se as competências exigidas são não funcionais ou diferentes das funcionais, a questão que deve ser colocada consiste em: "Se a Teresa não puser as peças de encaixe nos buracos, alguém terá de as colocar?" Se a resposta for "NÃO", aquelas competências são consideradas não funcionais ou diferentes das funcionais, de acordo com a definição acima apresentada. Chama-se a atenção para o facto destas competências poderem ser intituladas por outros como pré-funcionais, simuladas, conceptuais e/ou de treino.
Considerando que a expectativa em relação à aprendizagem destes alunos é inferior à que diz respeito a 99% de todos os outros das mesmas idades, deverão ser seleccionadas para aprendizagem competências que não obedecem ao critério de funcionalidade aqui apresentado? Certamente que sim! É extremamente importante que todos os alunos adquiram e realizem uma variedade de tarefas não funcionais ou diferentes das funcionais que tenham significado para cada um desde que contribuam para melhorar a sua qualidade de vida. Estão neste caso, por exemplo, as actividades recreativas e de lazer. Luís tem 13 anos de idade. Se ele não for capaz de olhar para uma revista sobre animais ao mesmo tempo que ouve as suas cassetes preferidas, será que alguém terá de fazer isso por ele? Se a resposta for "não", estas competências não são funcionais ou são diferentes das funcionais. No entanto, é extremamente importante que elas constem do seu reportório, pois, sem elas, a sua qualidade de vida diminuirá consideravelmente. Mais especificamente, para o Luís estas competências têm valor porque são apropriadas cronologicamente, podem ser utilizadas ao longo da sua vida, podem ser realizadas em casa, na escola, na biblioteca, no trabalho, no autocarro, etc., e porque pessoalmente lhe dão prazer. Assim, em determinadas circunstâncias, é adequado seleccionar competências que não obedecem ao critério de funcionalidade. Do mesmo modo, em determinadas circunstâncias pode não ser adequado seleccionar uma competência que obedece a este mesmo critério. Ou seja, mesmo que uma competência obedeça ao critério de funcionalidade, deve ser avaliada em relação a muitas outras dimensões antes de ser seleccionada para ser incluída no programa educativo.
De entre centenas de competências possíveis de ser ensinadas a determinado aluno, em determinada altura, terá de ser feita uma escolha de um número limitado de entre elas. Por conseguinte, devem ser avaliadas as razões que levam a essa escolha. Maria é uma estudante de 15 anos que não anda e frequenta uma escola secundária regular. Em determinada reunião sobre a elaboração do seu PEI, os pais, professores e terapeutas tiveram que optar entre ensiná-la a comprar as suas roupas ou a comprar comida. Ambas as competências eram funcionais, ou seja, se ela não fizesse essas compras alguém teria de as fazer por ela.

Depois de considerar vários factores para além da funcionalidade, foi decidido ensiná-la a comprar comida, pelas seguintes razões:
  • comprar comida constitui um conjunto de competências que têm de ser realizadas todos os dias;
  • comprar comida consiste numa tarefa que ela pode fazer para os outros membros da família, tal como eles fazem coisas para ela, todos os dias;
  • a mercearia fica no seu bairro e ela pode aprender a ir lá sozinha, na cadeira de rodas; 
  • o merceeiro aceita que as compras fiquem numa conta, uma vez que ela não é capaz de contar.
Um programa educativo dum alunos com deficiências severas, minimamente aceitável, deve compreender o ensino de competências funcionais e de competências não funcionais ou diferentes das funcionais. Algumas das questões que devem ser levantadas quando se elabora um destes programas são:
  • de entre todas as competências funcionais que poderiam ser ensinadas naquela altura, quais devem ser seleccionadas e porquê? 
  • de entre todas as competências não funcionais ou diferentes destas que poderiam ser ensinadas naquela altura, quais deveriam ser escolhidas e porquê?
  • no espaço duma semana, que proporção deve ser respeitada entre estes diferentes tipos de competências e porquê?


Texto extraído do artigo do Prof. Lou Brown (1993), The Functional Skill in Programs for Students with Severe Handicaps, in Lou Brown and al. (Eds) Educational Progress for Students with Severe Handicaps, Vol. XIV. 55-59. Madison, WI: Madison Metropolitan School District.

Sem comentários:

Enviar um comentário