segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Música ajuda a tratar as doenças mentais

É com um fado e um poema da sua autoria, sobre Jesus, que José Júlio salta para o meio da roda e solta a voz. A sua actuação marca o início de mais uma sessão de musicoterapia na Unidade de Doentes de Evolução Prolongada de Psiquiatria, nos Andrinos, Leiria, onde estão internados os doentes mentais crónicos.

A música é usada como terapia e não como entretenimento, no âmbito de um projecto pioneiro que abrange os doentes mentais crónicos e também os que estão internados por curtos períodos – 18 dias em média – no Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental, no 4º piso do Hospital de Santo André (HSA).

O projecto ‘Música com Arte’ resulta de uma parceria entre a Sociedade Artística Musical dos Pousos (SAMP) e o HSA, que envolve músicos e profissionais de saúde.

Os benefícios são claros, com os doentes crónicos a registarem uma evolução notória na comunicação e interacção com os outros. Mesmo com idades e patologias distintas, conseguem estabelecer um vínculo através da música, que lhes permite viajar do universo deles para o universo comunicacional oral, onde estão todos os outros.

"Nas primeiras sessões os doentes estavam irrequietos e levantavam-se com frequência para irem fumar, enquanto agora a adesão é espectacular, estão motivados, concentrados e são participativos", explica Catarina Curado, psicóloga do HSA.

Nos doentes agudos, a música ajuda-os a saírem do marasmo e da monotonia que representa o internamento hospitalar e facilita a sua reabilitação clínica. "Não há actividade humana tão complexa como a música, que aqui é usada como uma ferramenta de trabalho, no sentido em que auxilia quem trabalha com o cérebro", diz Paulo Lameiro, director pedagógico da SAMP, lembrando que já Platão defendia que a música penetra mais fundo na alma humana.

EVOLUÇÃO É AVALIADA

A avaliação da evolução dos doentes mentais abrangidos pelo projecto está a ser feita de uma forma "pormenorizada", para se apurar o seu impacto real, uma vez que até agora apenas há "resultados empíricos", diz António Cabeço. O estudo será apresentado em breve pelo Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do HSA. No próximo dia 12, a musicoterapia será apresentada – num encontro sobre saúde mental – como nova terapia.

SAÚDE COM ARTE

SEM LIMITES

O projecto ‘Saúde com Arte’ integra três programas distintos. Para os doentes crónicos foi criado o ‘100 limites ao som’, com sessões às terças-feiras.

CONSENTIR SOM

O programa ‘Consentir o Som’ é o mais recente e destina-se aos doentes internados no 4.º piso do HSA. Está organizado em duas sessões semanais.

ALEGRAR BEBÉS

O ‘Allegro Pediátrico’ é dedicado às crianças internadas no Serviço de Pediatria do HSA. Tem duas sessões semanais e envolve por ano 2500 doentes.

DISCURSO DIRECTO

"ESTÍMULO DO SOM AJUDA NA RECUPERAÇÃO": António Cabeço Director do Serviço Psiquiatria do HSA

CM – Quais as vantagens da música como forma de terapia?

António Cabeço – O estímulo provocado pelo som é agradável ao ouvido e pode criar uma interferência a nível cerebral que vai provocar ou ajudar na evolução favorável do doente agudo e na sua recuperação clínica.

– Mas é também uma forma de entretenimento?

– A música em ambiente hospitalar não é entretenimento ou diversão, tem de ser interpretada como terapia, em complemento à intervenção psicofarmacológica.

– E para os doentes crónicos?

– Nesses é notória a evolução no comportamento, na assertividade e na atitude perante os outros. Andam mais calmos e consomem menos medicamentos.

O MEU CASO: MÁRCIA FERREIRA

VENCEU A GAGUEZ A CANTAR MÚSICA

Sem saber explicar porquê, de um dia para o outro Márcia Ferreira, de 23 anos, dá por si internada no 4º piso do Hospital de Santo André, onde estão os doentes mentais agudos. "Primeiro deixei de falar, depois comecei a gaguejar e tinha espasmos", conta a jovem, adiantando que os médicos atribuíram esses sintomas a uma sucessão de "medos e ansiedade que causaram uma reacção no cérebro".

Foi internada em finais de Janeiro e a pouco e pouco recuperou a fala, mas começou a gaguejar. "No início, até a cantar se notava a gaguez, mas depois comecei a acompanhar os músicos e a sentir melhoras", conta. Incentivada pela equipa médica, Márcia Ferreira copiou para o telemóvel algumas músicas da sua preferência, que ouvia ao longo do dia, acompanhando os cantores. Ao fim de algum tempo deixou de gaguejar, retomando o seu tom de voz normal.

A música foi o estímulo de que precisava para perder a gaguez e recuperar a fala, por isso só tem "bem a dizer" do programa. "As sessões de musicoterapia foram muito produtivas para mim."

NOTAS

DUAS UNIDADES

O Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental cuida de 93 doentes, que estão nos Andrinos (foto) e no 4.º piso do HSA.

HOSPITAL DE FUTURO

O projecto de musicoterapia recebeu o prémio Hospital do Futuro 2008/2009, na categoria Parcerias em Saúde.

CRIANÇAS A SORRIR

As crianças internadas na Pediatria sorriem ao receber a visita dos músicos da SAMP, que cantam e tocam para elas.


2 comentários:

  1. Em 29/01/10, com o tema "Musica para os sentidos", publiqueí no meu blog uma musica que me serve de terapia... acalma-me, emociona-me, arrepia-me... A musica provoca, sem duvida, muitas sensações. Faleí - ainda que por alto - no valor que penso que a musica tem para o ser humano em geral.
    Ao ler esta sua informação, confirmo ainda mais esta minha certeza: a musica tem "poderes" únicos! Também o comprovo no meu filho - práticamente desde bébé que ouve musica, e é com musica que todas as noites adormece. Começou a cantar antes mesmo de falar. Hoje são muitas as vezes que canta e me encanta com a sua melodiosa voz.
    Comprove-se a musica como terapia e que muitos possam vir a ter a oportunidade dela usufruir porque não tenho duvidas que trás consigo muitos beneficios.
    Abraço Forte
    Cristina

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  2. Obrigado pelo seu testemunho Cristina!
    Os seus testemunhos são realmente uma mais-valia para todos nós.

    Sem dúvida que a música é uma terapia para todos nós.Tal como a Cristina diz,a música realmente "tem poderes únicos".
    A Musicoterapia está a aparecer cada vez mais como uma terapia de sucesso. E com excelentes resultados.

    Cumprimentos
    Nelson

    E um grande abraço para o seu filho:)

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