terça-feira, 13 de abril de 2010

A casa do não tempo

Ontem fui à casa do não tempo. Foi exactamente assim, como se mergulhasse num buraco negro, que, agora, aqui, ainda não tenho a certeza que existe. O meu menino ficou sem falar, arregalado por já ter pertencido ali.

Na casa do não tempo, há crianças que saltam de colo em colo, em ânsia. Todos riem um sorriso obstinado, pedinte. E marcam os rostos com secura, rugas na pele fresca... uma contradição.

Retiro, mentalmente, estes meninos do espaço protegido da instituição onde moram, o centro, como eles chamam. A escola, por exemplo. E logo me vêm à memória os primeiros dias de aulas do meu menino na escola nova. Como numa realidade paralela, plana e cinzenta, a duas dimensões. Todos os códigos são estranhos, todas as linguagens indecifráveis.

De manhã, a Sofia (vamos supor) sai de casa a toque de caixa. Bebeu o leite a custo, pelo caminho a mãe aconchegou-lhe o carapuço na cabeça, recebeu um beijo antes de entrar na sala. Os meninos do não tempo: abrem os olhos e reconhecem a funcionária do turno da manhã, vão em fila, pelo passeio, ou no autocarro da casa (quando chove) para a escola. Saltam para a sala de aula sem beijo nem afago. Resistem.

Na casa do não tempo são sete horas da tarde e já os meninos destroem freneticamente brinquedos em pijama, à espera da refeição. Ávidos de novidades. De novo, como num plano a duas dimensões, uma linearidade absoluta, rotina claustrofóbica. A empregada de turno que dá o telemóvel para brincar, o banho com espuma, hoje, porque me portei bem. O cheiro a residência estranha, como num hotel. Nunca uma casa, desalinhada, torta, a transbordar de caos saudável.

"De férias da escola?" Não há muitas perguntas que fazer ao único menino que não ri. Adolescente no meio dos pequeninos, é uma espécie de pai herói para todos eles. Antes perguntar: "Como é que te tens aguentado?", "Sentes falta do teu melhor amigo?", "Queres vir para longe conhecer o mundo?". Sim, de férias. De férias da vida, em suspenso, como todos. Olhar duro, triste e resistente.

Por: Teresa Lima (mãe de um menino adoptado)



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