quinta-feira, 22 de abril de 2010

Mobilizar a "aldeia" para combater a indisciplina (2.ª parte)

Muitos problemas de indisciplina e de falta de assiduidade carecem de uma intervenção articulada da escola, da família e de uma ou várias dessas instituições/serviços.

No último artigo foquei o problema da indisciplina nas escolas, tendo como referência o Estatuto do Aluno e medidas que têm vindo a ser divulgadas/propostas para a sua alteração. Avancei também com a sugestão de algumas medidas que considero importantes para combater esse problema.

O meu artigo iniciou-se e acabou com o provérbio que refere que "para educar uma criança é preciso toda uma aldeia". Fiquei-me então pela intervenção da escola e da família, prometendo retomar o tema para mostrar a importância da colaboração de todas as "casas" da aldeia, como, por exemplo, os centros de saúde, os hospitais com consultas de especialidade, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), outras instituições e serviços da comunidade. Com efeito, muitos problemas de indisciplina e de falta de assiduidade carecem de uma intervenção articulada da escola, da família e de uma ou várias dessas instituições/serviços. Vou ilustrar com alguns exemplos reais da minha experiência como professora e directora de turma, omitindo a identificação dos envolvidos:

- Antero vinha referenciado como um aluno muito malcomportado. Portanto, com surpresa, verifiquei que nesse ano estava diferente e muito controlado. Havia, no entanto, dias em que estava particularmente agitado. Em conversa com o pai, descobri que no ano anterior (o do mau comportamento) tinha acabado por lhe ser diagnosticada hiperactividade. Tinha começado a ser medicado e, por isso, conseguia controlar o comportamento. Como não gostava da medicação, às vezes escapava à vigilância paterna. A ligação contínua entre a directora e o pai permitiu que o Antero fizesse a medicação correctamente e obtivesse sucesso comportamental e académico.

- Marco vinha também referenciado como malcomportado e agressivo. No primeiro período foi fazendo jus à sua fama. A directora de turma e a psicóloga obtiveram sempre a colaboração da mãe, mas as suas degradadas condições familiares e de habitação não lhe permitiam fazer mais. Começaram os contactos com a CPCJ e uma outra instituição da zona que já acompanhavam a família. Embora sem a celeridade desejável, conseguiram-se medidas importantes, nomeadamente a nível das condições de habitação. Entretanto era pedida uma consulta multidisciplinar para despiste de causas possíveis do comportamento: consumos de drogas, perturbação de comportamento de oposição. Os meses foram passando, sem que tal consulta fosse marcada. O comportamento do Marco foi-se agravando, a ponto de não conseguir ser aguentado dentro de uma sala de aula, apesar de a mãe ir à escola e colaborar no que era pedido. Merecia esta mãe ficar sem abono? Ou merecia o Marco ter uma consulta e, eventualmente, receber um tratamento adequado, que lhe permitisse controlar o seu comportamento (como tinha acontecido com o Antero) e integrar-se na escola e nas aulas?

- Alice não queria ir à escola. Boa aluna, bem-comportada, não se sentia lá bem. Era notória a existência de uma perturbação de ansiedade que lhe causava um sofrimento intenso. A frequência do trabalho psicológico a fazer com esta menina não era articulável com o número de tarefas e de alunos que a psicóloga da escola tinha a seu cargo. Valeu a disponibilidade económica da mãe, que lhe arranjou acompanhamento em consultas particulares de psicologia clínica. A articulação estreita entre a mãe, os professores, o director de turma e a psicóloga permitiu que a Alice conseguisse adaptar-se à escola e não entrar num processo de falta de assiduidade acompanhada de grande sofrimento pessoal e da mãe.

A indisciplina e o absentismo são problemas complexos com causas múltiplas (ver artigo Prevenir a indisciplina:
http://www.educare.pt/educare/Opiniao.Artigo.aspx?contentid=103762311B643A1FE0440003BA2C8E70&channelid=103762311B643A1FE0440003BA2C8E70&schemaid=&opsel=2)
Por conseguinte, não se podem omitir as que não interessam e enveredar, apenas, por um via punitiva. Para se educar a criança, é necessário mobilizar a aldeia toda. É claro que implica custos, mas, parafraseando algo que tenho ouvido com frequência, se a educação fica cara, porque não experimentar a ignorância (e, já agora, a indisciplina e o absentismo)?

Por Armanda Azenhas

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