quinta-feira, 17 de junho de 2010

Nova esperança para travar doença dos pezinhos

Um ensaio clínico internacional envolvendo 78 doentes portugueses veio trazer novas esperanças no tratamento da paramiloidose, ou doença dos pezinhos, que teve ontem, quarta-feira, o primeiro Dia Nacional. A patologia deixou de progredir em cerca de 60% dos casos.

Sílvia Flores é um desses casos. Tem 28 anos e expectativa no olhar. A irmã, mais velha um ano, já foi transplantada. A mãe morreu-lhe tinha ela oito ou nove anos. Os tios também. A avó apagara-se no tempo em que não se sabia o que era aquilo que dava nas gentes da Póvoa do Varzim e falava-se, até, em paludismo.

É a paramiloidose, popularmente conhecida como doença dos pezinhos porque, em fases intermédias, destrói tecidos tendinosos e musculares nos membros inferiores, provocando um “andar à pato”. É mesmo assim que se diz. Sílvia só sente cansaço e formigueiro. O mesmo que sentia há pouco mais de dois anos, quando aceitou participar no ensaio clínico para o qual o Hospital de Santo António (HSA), no Porto, contribuiu com 48 doentes. “Os sintomas ainda eram poucos, em nada aumentaram”.

Sílvia espera assim poder evitar, por enquanto, o transplante hepático que, embora com boa taxa de sucesso (80% dos doentes sobrevivem ao fim de cinco anos), “traz muitos riscos”. A jovem poveira descobriu cedo que tinha a alteração genética que haveria, mais cedo ou mais tarde, de lhe gerar problemas. Tinha 18 anos, idade em que foi autorizada a ver o resultado da análise ao sangue que fez quando a mãe faleceu.

Hoje, cobaia da “tafamidis” naquele que é o maior centro do país no tratamento da paramiloidose, acredita que, “a médio prazo”, a inovadora terapêutica – considerada medicamento órfão e actualmente em processo de aprovação nas autoridades dos medicamento norte-americana e europeia – “vai fazer efeito”.

Convidada ontem, quarta-feira, para assinalar o primeiro Dia Nacional de Luta Contra a Paramiloidose, no Santo António, apareceu com o marido, Rudy. Não pensam em ter filhos: a doença é autossómica, ou seja, tem 50% de hipóteses de transmissão aos descendentes. A adopção poderá ser um caminho, a procriação medicamente assistida outro, se uma gravidez não fizer progredir os sintomas. Sílvia sorri.

Teresa Coelho, director da Unidade Clínica da paramiloidose do HSA, é a investigadora principal do ensaio clínico, que envolve seis outros países, apesar de Portugal ter o maior foco mundial da doença. “Temos 48 doentes (dois não são do HSA) a fazer a terapêutica. Dos 78 do ensaio 60% não apresentaram progressão da doença. Noutros é muito pouco marcada”.

O medicamento bloqueia a formação da proteína “anormal” responsável pela destruição de tecidos nervosos, a amilóide. Resultante de uma mutação genética no cromossoma 18, é produzida pelo fígado, pela retina e pelo sistema nervoso central. O transplante hepático resolve a parte do fígado, mas, sem cura, não há tratamento que elimine a doença, nem faça regredir os défices neurológicos.

A paramiloidose foi descrita em 1952 pelo neurologista do HSA Mário Corino de Andrade, que observara um padrão de formigueiro e adormecimento das pernas em doentes da Póvoa do Varzim. Concluiu-se entretanto que a doença fora levada para os quatro cantos do país e do mundo pelos navegadores do Norte e pelas migrações. Há 600 famílias diagnosticadas e mais de 1500 doentes sintomáticos em Portugal.

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