quarta-feira, 16 de junho de 2010

Uma história real de indisciplina (Parte 2: Uma estratégia de resolução)

Os resultados são surpreendentes. Todos querem participar. De início, apenas escrevem para os amigos, pelo que os alunos mais populares recebem muitas mensagens e os menos populares ficam sem nenhumas. Por isso, o trabalho do professor não acaba aqui.

No último artigo falei de uma turma com problemas de disciplina. Referi sumariamente diversas regras que devem ser observadas nessas situações e sugeri várias estratégias. 


Prometi para depois a descrição de uma estratégia que foi utilizada com bastante sucesso na modificação dos comportamentos disruptivos e na entreajuda e coesão da turma para atingir esse objectivo. Alerto, desde já, para o facto de o sucesso desta estratégia ter de ser integrado no trabalho global feito com a turma e com cada um dos alunos mais problemáticos. 

Mas antes de descrever a estratégia a que me tenho referido, deixem-me recuar à última quinzena do mês de Julho de 1997, em que, terminadas as aulas e as tarefas burocráticas, voei para Canterbury, em Inglaterra, onde frequentei um curso intensivo para professores de Inglês, com o apoio do programa LINGUA. Aquele curso de "Whole Brain Learning"... O que aprendi sobre a forma de mobilizar todo o cérebro para rentabilizar a aprendizagem e de como ensinar para conseguir esses objectivos! As vantagens que retirei da imersão no mundo da língua inglesa, a tempo inteiro, para "refrescar" as minhas competências nesse domínio! Se quiser repetir a experiência, terei que o fazer em férias, momento em que terminam as incontáveis tarefas burocráticas que se sucedem ao fim das aulas. Como sobreviver sem metade das férias? Mudam-se os tempos...

Regresso agora à estratégia específica a que me tenho referido, complementar a várias das que podem ser utilizadas para fomentar a disciplina numa turma, e que visa melhorar as relações entre os alunos (entre todos os alunos), para que nenhum seja excluído; visa levar cada aluno a olhar para os aspectos positivos de cada um dos outros e a ter os seus reconhecidos por eles; e visa, ainda, incentivar a melhoria de atitudes, comportamentos e valores de todos eles. Aprendi-a em Canterbury, no referido curso. Consiste na troca, entre os alunos, de mensagens de apreço, elogio ou agradecimento, por características positivas deles ou por actos por eles realizados. Explica-se aos alunos que, apesar de o respeito pela privacidade ser importante, o professor tem que ler essas mensagens antes de as entregar aos destinatários, para evitar "batota", ou seja, mensagens com conteúdos depreciativos.

Não sendo a escrita das mensagens de carácter obrigatório, o professor entrega, aos alunos que pretendam, papéis que podem ter cores ou formas mais apelativas (por exemplo, recortados com uma tesoura especial). Cada aluno escreve as mensagens que quiser, referindo o destinatário, a data e assinando, após o que as devolve ao professor. Este verifica o conteúdo. Se não for aceitável, explica os motivos a quem o redigiu. Nas restantes situações, faz chegar as mensagens aos seus destinatários. Os resultados são surpreendentes. Todos querem participar. De início, apenas escrevem para os amigos, pelo que os alunos mais populares recebem muitas mensagens e os menos populares ficam sem nenhumas. Por isso, o trabalho do professor não acaba aqui. Continua a incentivar a participação dos alunos na actividade, mas desta vez apelando a que escrevam a quem ainda não escreveram, para que todos recebam mensagens, já que todos têm aspectos positivos ou fazem acções que merecem elogio. Por isso, deverão evitar escrever aos melhores amigos, procurando, antes, elogiar, incentivar e valorizar outros colegas. A certo ponto, a turma apercebe-se da necessidade de melhorar o comportamento e surgem mensagens de incentivo à mudança para os alunos mais problemáticos.

Aqui ficam exemplos de algumas mensagens reais:

- "Obrigado por me teres ajudado na aula de Português. És um amigo fixe."

- "Obrigada por me teres ouvido sobre aquilo e não teres contado a ninguém. És uma boa amiga. Posso contar contigo."

- "Parabéns por não teres mandado bocas na aula de História de hoje. Continua assim. Vais conseguir."

- "Obrigado por me teres deixado entrar no jogo hoje no recreio."

E assim cada aluno aprende a ver os aspectos positivos de cada um dos outros e a respeitar todos; cada aluno verifica que tem qualidades que são apreciadas pelos colegas, todos vão ganhando vontade de melhorar ou de ajudar os outros a melhorarem. Reforço a ideia de que esta estratégia não "vive" sozinha, mas enquadrada num trabalho global. Termino dizendo que também pode ser utilizada em turmas com bom comportamento, com os mesmos objectivos de fomentar em cada aluno a valorização de si próprio e de cada um dos outros, a aceitação da diferença e a melhoria das relações interpessoais.

Que saudades de Canterbury e do tempo em que a burocracia ainda não esmagava os professores e eles podiam aproveitar o tempo mais produtivamente!

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