segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Cinco em cada 100 crianças são disléxicas

A palavra "mar" tem três sons: m-a-r. Se uma criança não os consegue separar pela sua audição, o mais provável é ter dislexia. O primeiro estudo em Portugal demonstrou uma prevalência de 5,4%. A reeducação é a única ajuda possível.

O estudo foi coordenado pela investigadora da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) Ana Paula Vale, 53 anos, que pretendeu "compreender melhor as manifestações da dislexia nas crianças portuguesas".

É que, ao invés de outros países, por cá sabia-se muito pouco sobre esta perturbação do desenvolvimento. Por causa dele, do estudo, vai receber, em Maio de 2011, o Prémio "Seeds os Science 2011", na categoria de Ciências Sociais e Humanas, atribuído pelo Jornal "Ciência Hoje". "Muito relevante", considera a docente.

Com o apoio de Fernanda Leopoldina Viana e Ana Sucena Santos, da Universidade do Minho, foram testadas 1460 crianças dos distritos de Vila Real e Braga. Destas, 5,4% demonstraram prevalência da dislexia. Ou seja, dificuldades em ler e escrever, mas particularmente em escrever, problemas de velocidade de processamento e défices de memória verbal (curto prazo). As características mais específicas têm a ver com as do vocabulário português.

Ana Paula Vale nota que, apesar de a criança com dislexia ter dificuldades "em fazer análises sobre a organização dos sons da fala", o domínio da linguagem em termos da comunicação do dia-a-dia "não está perturbado". Constatou mesmo que a grande maioria "até tem uma inteligência normal ou mesmo superior".

Embora em Portugal não existam estudos específicos, em Inglaterra e nos EUA provou-se que a dislexia tem "impactos negativos e consequências drásticas, quer na vida académica quer na vida profissional e pessoal". As crianças com este distúrbio tendem a ter uma "auto-estima reduzida, problemas de motivação e auto-imagens pouco edificantes".

A reeducação é a única forma de corrigir ou atenuar o problema, sendo que também aqui não existem milagres: uma vez disléxica, disléxica para sempre. As manifestações e as dificuldades é que podem ser recuperadas a tal ponto de não se distinguir uma criança que sofre da perturbação de outra normal. Mas em situações de stresse ou cansaço, Ana Paula Vale admite que "o desempenho baixa sempre um pouco".

Escusado será dizer que o desempenho escolar de uma criança com dislexia é naturalmente afectado por aquela perturbação do desenvolvimento. Ana Paula Vale defende que se deveriam criar mecanismos de ajuda a estas pessoas. Segundo diz, a lei já lhes dá tempo extra para fazerem exames nacionais, mas na sala de aula raramente acontece.

A Unidade de Dislexia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro é a única do país em contexto universitário. Foi criada em 2005 por Ana Paula Vale, "por teimosia, por ter pedidos de pessoas que queriam saber se os filhos sofriam daquele distúrbio".

A estrutura de serviço à comunidade faz diagnóstico especializado às perturbações do desenvolvimento da linguagem e da dislexia, bem como de outras perturbações que podem estar associadas: défice de atenção, perturbações da memória ou discalculia (desordem neurológica que afecta a habilidade de uma pessoa compreender e manipular números). "Quem tem dislexia não tem necessariamente as outras, mas muitas vezes tem", afiança a investigadora.

A reeducação feita naquela unidade tem duas fases: o diagnóstico e a intervenção. A primeira tem uma duração de duas horas e custa 45 euros; a segunda é dividida em várias sessões, cada uma a 26,5 euros. O dinheiro conseguido serve para pagar os vencimentos dos dois psicólogos que ali trabalham permanentemente e para a compra de material. "A Unidade de Dislexia paga-se a si própria."

A Unidade tem crescido e recebido pessoas de todo o país. Chegou a ter lista de espera, mas neste momento já consegue dar resposta aos pedidos à medida que eles chegam. Neste momento tem 25 crianças em processos de intervenção.

Sem comentários:

Enviar um comentário