quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Crónica das angústias (ao minuto) de uma professora

A conversa é como as cerejas, costuma dizer-se. Neste mês de novembro, apetece-me dizer que os pensamentos são como as castanhas. Tal como estas, de que tanto gosto, também aqueles são puxados uns pelos outros e, no caso presente, pelo mês do magusto.

Desde há muitos anos que, como diretora de turma, faço as reuniões de pais com estes e com os alunos. Procuro fazer uma média de duas reuniões por período, com conteúdos diferentes e significativos. A presença conjunta de encarregados de educação e alunos começou por visar a sua interação na análise dos problemas e na definição de medidas para os resolver, bem como a corresponsabilização de cada menino e seus pais pela aplicação daquelas a eles respeitantes. Os assuntos são variados: organização do tempo de estudo, alimentação saudável, tempo de sono, entre muitos outros. As formas de abordagem são igualmente variadas: apresentação de trabalhos dos alunos sobre os temas; debates dinamizados por mim, como diretora de turma, por especialistas convidados, por encarregados de educação. Os momentos (que nunca são) formais conjugam-se com momentos de convívio. O primeiro momento de convívio do ano letivo tem sido sempre... o magusto.

E eis como chegámos ao tema deste artigo. Este ano não vou organizar o meu habitual magusto, em que as castanhas e outros "comes e bebes" se seguem à apresentação de trabalhos dos meninos sobre o tema (encenação da lenda de S. Martinho; exposições orais e/ou documentais sobre o valor nutricional da castanha, o papel desta na alimentação em Portugal ao longo dos tempos, recolha de receitas com castanhas; declamação de quadras feitas pelos alunos; apresentação de provérbios por eles recolhidos junto das famílias). O desaparecimento da Área de Projeto veio colocar dificuldades à realização de trabalhos deste tipo. Soma-se o aumento do tempo de trabalho docente, que se tem vindo a fazer sentir de há anos para cá, e que este ano cresceu ainda mais.

O tempo docente conta-se ao minuto, através de contas habilidosas. Os (até agora) 22 tempos de 45 minutos, com a liberdade das escolas em organizarem as aulas em tempos de 45 ou de 50 minutos, transformaram-se em 22 tempos de 50 minutos*. Multiplica-se 50 por 22 e a componente letiva passa a ser de 1100 minutos, que são, depois, divididos por 45 ou por 50, conforme a estrutura em vigor em cada escola. E é assim que cada professor passa a dar, em média, mais dois tempos letivos por semana. Se lhe acrescentarmos o desaparecimento de Estudo Acompanhado, Área de Projeto e Formação Cívica e a diminuição do tempo letivo de várias disciplinas, o resultado equivale a mais trabalho para quem fica com emprego e a mais desemprego para muitos docentes. Os professores empregados passam a ter um maior número de turmas (com mais alunos). Daí advém um acréscimo de trabalho na preparação de aulas e na correção de trabalhos fora delas, sem que os minutos da componente de trabalho individual tenham aumentado na lei. Passa também a haver mais reuniões (na prática, mas não na componente do horário a elas destinada). E foi assim que cheguei ao mês do magusto rendida ao facto de não o conseguir fazer. Tenho lutado contra esta rendição nos últimos anos e foi com uma profunda tristeza que partilhei esta decisão com os meninos e os pais na última reunião que tivemos. Compreenderam, mas ficaram tristes.

E regresso ao princípio. Os objetivos que referi ter quando comecei a fazer este tipo de reuniões cresceram. Pais e meninos ajudaram-me a encontrar outros:
- As aprendizagens que vão ser partilhadas com as famílias tornam-se mais significativas para os alunos, que aprendem com mais gosto e que se empenham na concretização de formas criativas de as apresentar e transmitir.
- Os pais gostam de conhecer melhor a escola e o que os filhos fazem nas aulas e dão mais valor ao trabalho dos professores.
- Pais e professores têm um importante espaço de interação e de conhecimento mútuo.
- Os pais conhecem os amigos dos filhos e sentem-se mais seguros quando os deixam ir brincar ou estudar para casa deles.
- Os pais conhecem-se uns aos outros e criam cumplicidades e redes de entreajuda, por exemplo, nas boleias para casa ou para outras atividades fora da escola.
- O grupo-turma é constituído por alunos, professores, pais e restante família. O sentimento de pertença a esse grupo faz da escola um local onde se aprende com mais gosto e se (con)vive, onde sabe bem estar, um local onde se partilham e constroem conhecimentos e afetos.

Estamos em novembro, mês das castanhas, mês do magusto, mês do MEU magusto com este grupo a que tanto gosto de pertencer, o grupo dos meus alunos e das suas famílias, e que se constrói como grupo também nesse magusto. Este ano não vou fazer o magusto com eles, porque o tempo para a família, para a minha família, tem vindo a diminuir cada vez mais. A riqueza dos minutos docentes vai-se tornando progressivamente mais difícil de garantir, tanto a dos cada vez mais numerosos minutos legislados para as aulas, como os cada vez mais numerosos mas não reconhecidos minutos necessários para o trabalho fora das aulas. Perde-se a riqueza e o prazer dos minutos que deixam de poder existir para viver momentos como o meu magusto. Mas sei que, custe o que custar, não serei nunca uma professora limitada à transmissão de conhecimentos, porque essa deixaria de ser eu e não posso anular-me a mim própria.

Consulte o Despacho de Despacho Normativo nº13-A/2012 (Organização do ano letivo 2012/2013)

Por: Armanda Zenhas

In: Educare

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