terça-feira, 19 de março de 2013

Andreas Schleicher:”A avaliação não é o Santo Graal da educação”

"A avaliação de professores é um assunto controverso, mas cada vez mais países avaliam os seus docentes", admite Andreas Schleicher, porta-voz da OCDE em matérias de educação. O EDUCARE.PT ouviu-o numa webinar transmitida do Encontro Internacional sobre Profissão Docente, em Amesterdão.

"Os professores mudam as nossas vidas, mas quem assegura a sua competência profissional?" Com esta pergunta, Andreas Schleicher deu o mote no discurso de apresentação do relatório "Usando a avaliação para melhorar o ensino", elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e ao qual o EDUCARE.PT dará atenção noutro artigo. Trata-se de um "assunto controverso", reconhece o responsável pela área da educação, com propósitos e critérios nem sempre claros aos olhos dos docentes e falta de consenso sobre quem a deve fazer.

Os dados recolhidos pela OCDE revelam que oito em cada dez professores consideram a avaliação "justa e útil" para o seu trabalho; um em cada quatro confirma que tem impacto no seu desenvolvimento profissional; um em cada dez vê os seus efeitos refletidos no salário, mas três em cada quatro consideram que a avaliação não traz reconhecimento à sua capacidade de inovar nem à qualidade do seu ensino.

Contrariar o descrédito
Contrariar algum descrédito quanto à utilidade da avaliação do desempenho docente implica transparência dos processos, garante Schleicher: "É preciso haver clareza quanto às suas consequências." Até porque os professores esperam beneficiar das suas boas avaliações, diz o responsável pelo relatório. E acrescenta: "Se o propósito da avaliação não é claro vai perder a confiança dos professores e ter um impacto negativo."

Os professores portugueses sabem bem do que fala o responsável da OCDE. Em Portugal, a contestação à implementação do sistema de avaliação docente pela ministra Maria de Lurdes Rodrigues assumiu proporções nunca vistas, com greves, vigílias e manifestações por todo o país durante anos. Que, em última análise, conduziram ao afastamento da ministra.

Os receios da classe assentam no desconhecimento da resposta a esta grande questão: Avaliar para quê? Segundo a OCDE, a avaliação deve ter dois objetivos: o desenvolvimento profissional do professor, pelo que deve fornecer informação válida aos avaliados; e a sua responsabilização, o que implica uma definição de "boa prática de ensino" e a criação de um sistema de incentivos para motivar os professores ao seu alcance.

Como e para quê?
Avaliar como e com quê? Entre os países-membros objeto de estudo no relatório "Usando a avaliação para melhorar o ensino", a OCDE constatou uma grande variedade de critérios e instrumentos de avaliação. Comum a quase todos os modelos está o recurso à observação de aulas. A razão parece óbvia: é na sala de aula que efetivamente se dá a prática letiva. Mas não foram apenas os professores portugueses que reagiram mal a este instrumento. Mal explicado, o processo de observação pode suscitar no professor um sentimento de que está a ser vigiado, alerta a OCDE.

Diminuir a desconfiança, insiste Schleicher, implica continuar a aprimorar os instrumentos para a avaliação, de modo a torná-la mais justa e adaptada ao meio onde se inserem as escolas. O recurso à autoavaliação, outro dos instrumentos usado com frequência entre os vários países, é imprescindível diz Schleicher, já que "encoraja os professores a refletir sobre a sua prática".

Outras formas encontradas pelos países para avaliar os professores geram menos consenso. No México, por exemplo, os docentes são submetidos a exames. Controversa é também a inclusão dos resultados escolares obtidos pelos alunos ao longo do ano ou em exames nacionais no processo de avaliação do docente.

Na China a avaliação tem em conta a responsabilidade social do professor, entendida como o contributo dado para a comunidade onde se insere. Isto, para além da avaliação da qualidade da instrução e da capacidade de criar um bom ambiente na sala de aula, vertentes por norma comuns a todos os modelos de avaliação. A diversidade é muito bem vista pela OCDE assegura Schleicher: "É importante haver múltiplos critérios e instrumentos."

Instituído o processo de avaliação, é necessário definir o que fazer com os resultados. Avaliar para quê? Entre os países da OCDE, 16% dos professores afirmam que a avaliação tem impacto real na sua progressão na carreira; 27% consideram que tornou o seu trabalho mais atrativo. 

Tendo o desenvolvimento profissional como objetivo, na Alemanha os resultados da avaliação servem para identificar capacidades que os professores têm mas não usam nas suas aulas. Poucos são os países onde a avaliação influencia diretamente os salários, na maioria este impacto é sentido de forma indireta, através da progressão na carreira.

Apesar do otimismo que percorre o relatório da OCDE, Schleicher mostra-se ciente que os problemas dos sistemas educativos não desaparecem só porque os docentes são avaliados. "A avaliação não é o Santo Graal da educação", embora "muitos países tenham provado que através dela é possível melhorar a qualidade do ensino", conclui.

In: Educare

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