quarta-feira, 24 de abril de 2013

Cegueira branca

Se eu tivesse o poder que os poderosos têm, contribuiria para a reconfiguração e humanização das escolas, para uma profunda mudança na formação dos professores, que contribuísse para a reelaboração cultural, a dignificação e o prestígio da profissão.

Escutei pela enésima vez a frequente e despropositada pergunta: O que você faria para mudar a educação?

Se eu tivesse o poder que os poderosos têm, contribuiria para a reconfiguração e humanização das escolas, para uma profunda mudança na formação dos professores, que contribuísse para a reelaboração cultural, a dignificação e o prestígio da profissão. Mas, em primeiro lugar, pugnaria pela desburocratização do sistema.

A burocratização da educação no Brasil - que não difere, significativamente, da portuguesa - está patente no desabafo de um professor: Com a mudança de governo, quase toda a informação da Secretaria foi apagada.

Eis que o pesadelo regressa: a secretaria mudou de dono, precisa mostrar serviço, suspende os projetos herdados da gestão anterior. De quatro em quatro anos, sem qualquer avaliação, o gesto de desperdício se repete. Será por ignorância? Mas por que se coloca secretarias de educação nas mãos de gente ignorante? Estou inclinado a acreditar que se trate de cegueira branca (expressão criada por Saramago) aquilo que impede os detentores do poder de reconhecer os trágicos efeitos de uma escola que consome avultados recursos, produz trinta milhões de analfabetos e aspira a míticos e míseros índices de desenvolvimento da educação básica.

O fundador da Khan Academy é um acérrimo crítico da burocratização da gestão e da coordenação pedagógica. No seu livro "Um mundo, uma escola", ele escreve (os professores terão lido?): Ainda temos escolas ruins e um sistema corrupto e arruinado, sempre houve resistência dos administradores e burocratas. (...) Parecem ter uma aversão natural a novas ideias.

Os sistemas burocráticos alienam finalidades, sacrificando-as à estatística e à uniformização. Opõem-se à autonomia das escolas, impedem um digno exercício da profissão de professor. O burocrata padece da cegueira branca da obediência a normas, desprezando a realidade, quando está em conflito com elas. Seu objetivo maior é encontrar problemas e motivos para paralisar, ou adiar processos. O burocrata da educação desconfia de qualquer iniciativa que saia da rotina. Sua primeira resposta é não. E ama fazer relatórios volumosos, recheados de gráficos e tabelas, para encadernar e guardar no arquivo morto.

São atuais as palavras do saudoso Mestre Lauro, escritas há cinquenta anos atrás: Os professores queixam-se: "Se não seguirmos os regulamentos, seremos demitidos" (e os regulamentos são polivalentes e minuciosos, vigiados por imensa récua de burocratas ciosos). A máquina burocrática jamais indaga de razões pedagógicas, funciona segundo critérios contáveis. Se um reformulador ousado eliminasse das escolas (a burocracia), o sistema escolar ganharia dinamismo, autenticidade e alta criatividade, repondo o educando nas mãos do educador.

A boa notícia é que ainda há quem resista, quem ouse desburocratizar, quem creia que algo vai mudar. Há alguns anos, no fim de um longo e penoso processo, a lei portuguesa consagrou um princípio essencial: os critérios de natureza administrativa não poderão sobrepor-se aos critérios de natureza pedagógica. A partir daí, foi possível preparar contratos de autonomia.

Mas logo a escassa autonomia consentida pelo Estado-patrão - o contrato de autonomia conquistado pela Escola da Ponte é disso exemplo - foi questionada e tornada insignificante por ação de burocratas instalados no aparelho ministerial.

Acaso o poder público crê que os professores são irresponsáveis?

Quem tem medo da autonomia das escolas?

Por: José Pacheco

In: Educare

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