quarta-feira, 12 de junho de 2013

A (crise da) escola pública na era “mega”

Os agrupamentos já mega tornaram-se mega-agrupamentos, muito mais mega. As turmas, já mega, tornaram-se em megaturmas de 30 alunos. Perspetiva-se agora o aumento do horário já mega dos professores (que ultrapassa, em muito, as supostas 35 horas), transformando-o em mega-horário, de pretensas 40 horas, que, na realidade, serão muitas mais. Serão megaescolas, com megaturmas e megaprofessores. E os alunos, terão um tratamento mega?


Watterson, B. (1996). Há tesouros por toda a parte (p. 30). Lisboa: Gradiva.

Quando hoje já existem professores que, tendo 22 horas letivas e lecionando disciplinas com 3 tempos semanais, têm 7 turmas, ou seja, 210 alunos (ou, lecionando disciplinas com 2 tempos semanais, têm 10 turmas, ou seja 300 alunos), o que podem estes últimos ser senão "grãos de areia" gritando para o universo, em vozes que nem se conseguirão fazer ouvir no meio da gritaria surda ou sonora de vozes que, por tantas serem, não têm como poder ser ouvidas? O que acontecerá quando esses professores, nos próximos anos, virem o seu horário letivo aumentado, ou seja, se tornarem professores ainda mais mega, com mais turmas e mais alunos? A que dimensão serão reduzidos os alunos desses professores?

Manuel era um menino do 5.º ano. No início do ano letivo, tinha-lhe custado bastante a mudança de escola. Intimidava-o aquela escola tão maior, onde havia tantos alunos e tão mais velhos que ele, onde o dia se repartia por várias salas e vários professores. Tinha sido difícil, mas pouco a pouco foi-se habituando. Quantas vezes a diretora de turma precisou de o ajudar a arranjar coragem para entrar na escola, para ir às aulas e para enfrentar aquele recreio grande com tantos colegas tão maiores que ele! Quantas conversas a diretora de turma teve com ele e com a mãe! Como sentiu o apoio dos professores que não ignoravam os seus receios e dificuldades e não se pouparam a esforços para o ajudar a integrar e a ganhar confiança em si próprio. Teve sorte! A diretora de turma tinha (só!) cinco turmas que, felizmente, não chegavam bem a 30 alunos. Não podia o Manuel saber que na sua própria turma esta diretora e os restantes professores trabalhavam de forma concertada para ajudarem outros meninos com problemas diversos de diferentes naturezas (necessidades educativas especiais, problemas na aprendizagem, famílias com situações de vida dramáticas). Não foi fácil a esta professora reconhecer rapidamente as feições e decorar os nomes dos seus 140 alunos. Era-lhe penoso entrar em cada sala de aula, no primeiro período, e ver as caras dos meninos esperando que ela se lhes dirigisse pelo nome. Percebia que eles não compreendiam (nem tinham que compreender) como podia ela não os aprender logo nos primeiros dias.

E como vai ser a vida dos Manuéis, dos Joões, das Paulas e das Marias que, nos próximos anos letivos, se encontrarem numa megaturma, de uma mega-escola, tendo como professores megaprofessores (ainda mais mega do que agora) de centenas de alunos? Conseguirão deixar de ser o grão de areia da camisola azul ou da T-shirt às riscas para serem o Manuel, o João, a Paula ou a Maria? Poderá a escola pública cumprir, nesta era "mega", o seu desígnio de assegurar educação universal e de qualidade, com igualdade de oportunidades para todos, no respeito e na valorização das suas diferenças?

Por: Armanda Zenhas

In: Educare

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