segunda-feira, 2 de março de 2015

Educação. Os chumbos fazem bem ou fazem mal?

O problema é a falta de meios e de diálogo. A escola tem de estar “mais disponível” para ouvir as famílias, dizem as associações de pais. São precisos meios para dar respostas rápidas, sublinham as escolas

O Conselho Nacional de Educação (CNE) voltou a trazer os chumbos escolares para a primeira linha do debate, com a apresentação do relatório "Retenção Escolar nos Ensinos Básico e Secundário". A discussão está longe de ser nova - começou em 1991, com o ministro da Educação de Cavaco Silva, Roberto Carneiro, e desde essa altura já passou por 13 ministros. Mas nem por isso deixou de ser um problema crónico no país.

Dificuldades de aprendizagem, problemas emocionais, choques culturais e ensino inadequado ou insuficiente - as causas estão identificadas. E a solução está na mão de três intervenientes: as escolas (com professores, psicólogos e assistentes sociais envolvidos), os encarregados de educação e, claro, os alunos. "O que é preciso é que qualquer um deles deixe de olhar para o lado à procura de culpados para esta situação e pense qual é a sua responsabilidade e o que pode melhorar", considera Jorge Ascensão, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap).

Se há número de que um director escolar não gosta de falar é das suas taxas de retenção. Mas essa realidade - "acima da média nacional" no agrupamento de escolas de Silves Sul - não preocupa o director. "Os miúdos têm de perceber que o conhecimento é fundamental, não chumbar ninguém é acabar com o ensino em Portugal", defende Carlos Silva. Ele próprio um repetente (por "duas vezes"), não deixou de ter uma "carreira de sucesso" ligado, precisamente, à escola. "É através do fracasso que crescemos", acredita Carlos Silva, defensor acérrimo da "meritocracia".

O CNE discorda, pelo menos até certa parte. No relatório, divulgado no início da semana, os conselheiros do governo em matéria educativa criticam a "cultura de retenção" instalada e destacam os "efeitos negativos" do chumbo para o aluno, quer em "termos afectivos" quer "comportamentais". A opção das escolas, dizem, deve centrar-se na passagem dos alunos com dificuldades, ao mesmo tempo que se deve reforçar o acompanhamento feito a estes casos.

"A retenção não produz benefícios motivacionais mas gera, antes, angústia, desespero e riscos de abandono escolar precoce", atesta o psicólogo educacional Luís Picado, recorrendo à investigação existente - e é muita - sobre o tema. Também provoca "um aumentos dos níveis de ansiedade", "falta de atenção" e "sentimentos de desvalorização e ansiedade perante situações de avaliação", acrescenta o também presidente do Instituto Superior Ciências Educativas. As consequências de um chumbo no percurso do aluno multiplicam-se. Mas, mais do que focar-se na consequência, Luís Picado aconselha a comunidade a olhar para as tais "causas" que explicam o insucesso.

"É difícil pedir a um aluno que esteja atento e cumpra com as suas responsabilidades quando ele chega à escola de estômago vazio", diz António Castel-Branco. A situação económica recente tirou dinheiro das carteiras dos pais, e noutros casos levou-os para fora do país, deixando as crianças ao cuidado de familiares menos próximos. Em alguns casos, essa mudança contribuiu para as faltas, a indisciplina, o desinteresse e, no fim da linha, o chumbo.

Jorge Ascensão apela à aproximação da família à escola. "É necessário que a escola conheça a família e que a família conheça a escola, que haja um acompanhamento diário do percurso do aluno por parte dos encarregados de educação, que se converse e se faça sugestões à escola", diz a Confap.

Ao primeiro sinal de desvio, a escola tem de intervir, através dos professores, mas também dos psicólogos e assistentes sociais. Ainda que, reconhece, isso requeira "meios para fazer o acompanhamento". Ao mesmo tempo, é preciso que a escola "esteja disponível" para acolher a postura mais interventiva das famílias. "Não vale a pena intervir só quando as coisas correm mal, mas essa cultura ainda não existe", refere o representante dos pais, que vê no movimento associativo uma ponte para unir os dois lados. "Não vale a pena dizer que estamos preocupados com a retenção se não fizermos nada por isso", conclui.

A discussão volta a estar na ordem do dia e o ministro Nuno Crato admite estar preocupado com uma taxa de retenções "muito elevada", mas, pelo menos para já, os chumbos não vão acabar. "Nós queremos que os alunos passem, mas que passem sabendo", diz Crato.

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