terça-feira, 15 de dezembro de 2015

OS RISCOS DA RITALINIZAÇÃO DOS MIÚDOS. DE NOVO


De facto, segundo dados do Infarmed o recurso ao metilfenidato com os nomes correntes de Ritalina, Concerta ou Rubifen disparou em Portugal nos últimos anos, de 23 000 embalagens vendidas em 2004 passou-se para cerca de 276 029 embalagens vendidas em 2014, um crescimento assombroso e preocupante.

Face a este cenário e em diferentes intervenções públicas, especialistas como Mário Cordeiro, Gomes Pedro ou na peça de hoje do DN, Ana Vasconcelos, têm revelado sempre uma atitude cautelosa e prudente face esta hipermedicação ou sobrediagnóstico e alertado para os riscos destas práticas. Este tipo de discurso, cauteloso e prudente, que subscrevo, contrasta com a ligeireza, que não estranho, de Miguel Palha que referia há algum tempo no Público as “centenas” de crianças que na sua clínica solicitam “diariamente” o fármaco.

Retomo algumas notas de textos anteriores sobre estas questões, a forma como olhamos e intervimos face aos comportamentos que os miúdos mostram. De há uns tempos para cá uma boa parte dos miúdos e adolescentes ganhou uma espécie de prefixo na sua condição, o "dis", passam a "dismiúdos".

Se bem repararem a diversidade é enorme, ao correr da lembrança temos os meninos que são disléxicos em gama variada, disgráficos, discalcúlicos, disortográficos ou até distraídos.

Temos também as crianças e adolescentes que têm (dis)túrbios ou perturbações. Estes também são das mais diferenciadas naturezas, distúrbios do comportamento, distúrbio do desenvolvimento, distúrbios da atenção e concentração, distúrbios da memória, distúrbios da cognição, distúrbios emocionais, distúrbios da personalidade, distúrbios da actividade, distúrbios da comunicação, distúrbios da audição e da visão, distúrbios da aprendizagem ou distúrbios alimentares.

Como é evidente existem ainda os que só fazem (dis)parates e aqueles cujo ambiente de vida é completamente (dis)funcional ou se confrontam com as (dis)funcionalidades dem muitos contextos escolares, número de alunos por turma excessivo, currículos desajustados, falta de apoios, etc.

Pois é, há sempre um "dis" à espera de qualquer miúdo e senão, inventa-se, "ele tem que ter qualquer coisa".

De forma simplista costumo dizer que algumas destas crianças não têm perturbações do desenvolvimento ou dificuldades de aprendizagem, experimentam perturbações no envolvimento e sentem dificuldades na “ensinagem”.

Agora um pouco mais a sério, sabemos todos que existem um conjunto de problemas que podem afectar crianças e adolescentes, devem ser abordados, se necessário com medicação, evidentemente, mas, felizmente, não são tantos as situações como por vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos "diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais eles dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença sobre o que se observa nos miúdos.

Inquieta-me ainda a ligeireza com que muitos miúdos aparecem medicados, chamo-lhes "ritalinizados", sem que os respectivos diagnósticos conhecidos pareçam suportar seguramente o recurso à medicação. Como mais uma vez se refere os riscos da sobreutilização ou uso sem justificação do metilfenidato e de outros fármacos tem riscos, uns já conhecidos, outros em investigação.

Esta matéria, avaliar e explicar o que se passa com os miúdos e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético e deontológico além da óbvia competência técnica e científica.
Não se pode aligeirar, é "dis"masiado grave.

Texto de Zé Morgado

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